Sunday, March 26, 2023

É que quando eu cheguei por aqui, eu tudo entendi...


Viver bem. O que significa isso? Obviamente a resposta depende de a quem se dirige a pergunta. Há quem diga que o bem viver significa estar em paz, gozando de boa saúde e boas relações. Há outros para os quais a realização do conceito envolve a posse de determinados bens. A subjetividade do conceito é seguramente fruto da disparidade do histórico econômico-afetivo-social de cada um. Pessoalmente, me identifico mais com os primeiros, cuja noção de uma vida boa está baseada em fatores intangíveis. 

Sinto que minha vida hoje ilustra bem os anseios e aspirações de minha geração. Aquela composta por adultos nascidos entre 1981 e 1996 e que convencionou-se rotular pelo termo “Millennials”. Em busca de qualidade de vida que se expressa mais em SER do que TER, mudei-me de país e abri mão de almejar casa própria, carro do ano e prestígio baseado em relações sociais de longo prazo. Hoje oriento minhas decisões pela premissa básica de que, para crescer e prosperar, preciso estar exposto a estímulos que correspondam a meus objetivos pessoais. Urbano como sou, não podia encontrá-los onde vivia. 

Podemos comparar a decisão de tornar-se nômade com um salto de paraquedas. Se você se preparou, sabe que pode curtir a experiência com segurança. Mas o fato é que nem o plano mais detalhado elimina o medo de deixar para trás o familiar para ir em busca do desconhecido. Assim mesmo, o meu conselho para aqueles que se sentem contagiados pelo vírus nômade é: VÁ EM FRENTE! Depois do salto, você experimentará a mais pura sensação de contentamento e liberdade.

Não é dizer que a estabilidade de um endereço fixo não representa nada. Percebo que muitos nômades mantêm ainda raízes firmes em algum lugar de algum modo. Mas se você assim como eu sofre de uma curiosidade irremediável pelo mundo, dificilmente conseguirá saciá-la em um lugar limitante.

A cidade que escolhi para viver neste momento foi Buenos Aires pelo fato óbvio do câmbio favorável a um pobre professor de inglês brasileiro e aqui fico enquanto se manter essa condição. Mas além do quesito econômico, viver aqui significou a realização de um sonho que surgiu há 18 anos ao ver o filme O Filho da Noiva com Ricardo Darín (recomendo qualquer filme com o ator). Desde então, a fascinação com a cidade só cresceu e visitá-la pela primeira vez foi como chegar em casa.

Muito se fala de Buenos Aires como uma cidade latina com ares europeus. Sim, os fatos correspondem: a arquitetura (muito mais preservada que no Brasil), os vinhos, a culinária, o clima, o sotaque característico (me parece um italiano que aprendeu espanhol e está impressionado com sua própria capacidade de comunicar-se fluentemente). A diferença para mim é que Buenos Aires não tem a opressão intimidante de uma capital Europeia. É uma cidade acolhedora e humilde, além de muito mais segura que as capitais brasileiras. Onde no Brasil é possível sentir-se tranquilo caminhando tarde da noite com o celular no bolso? 

É a cidade que me faz vibrar e que trouxe de volta a juventude. Às vezes não faço nada mais que caminhar por horas sem rumo (é difícil se perder numa cidade tão bem planejada). Aqui pude confirmar que o essencial para viver bem não custa caro. Se vou ficar por meses, anos, ou décadas é algo incerto. Por ora só posso afirmar que tomei uma decisão acertada e que certamente vale muito mais a pena preencher a alma com experiências do que com coisas. Recomendo fortemente que façam o mesmo. 



P.S. Aconselho ignorar o noticiário e ver com os próprios olhos a realidade do país.




Friday, November 22, 2013

É que quando eu cheguei por aqui, eu nada entendi...


"Pai, esse mato não acaba nunca?!" era a pergunta que eu repetia de novo e de novo enquanto atravessava de carro, e pela primeira vez, o trecho da BR-050 que liga Uberlândia em Minas Gerais a Catalão em Goiás. Eu sempre gostei de viajar. Durante a minha infância passei diversas semanas nas chácaras, sítios e fazendas de meus parentes no interior paranaense. Eu ficava feliz pela mera chance de talvez, finalmente, poder utilizar em minhas aventuras a sabedoria adquirida em meu "Manual do Escoteiro" que comprei numa feira de livros do meu colégio na capital paulista. Nas viagens da minha infância, sair da cidade significava alguns dias de liberdade para poder brincar nas ruas até tarde, explorar sozinho os arredores, tomar sorvete na praça e fazer amizades novas.
No entanto, aos dezesseis anos, não era com a mesma ansiedade da infância que eu encarava a minha primeira visita a Catalão. Dessa vez a ansiedade me corroía por dentro. Eu estava de mudança para Goiás. Goiás... Nunca havia passado pela minha cabeça que eu precisaria um dia me mudar de São Paulo e menos ainda que me mudaria para Goiás.
Quando eu recebia a notícia de que alguém conhecido estava se mudando de São Paulo para outra cidade ou estado eu pensava "Aonde essas pessoas estão indo?! Por que alguém iria querer sair daqui onde se tem tudo?!". Para além de São Paulo eu imaginava uma mistura mais ou menos incoerente de mata-atlântica com cerrado, caatinga e floresta amazônica e ocasionalmente alguma praia.
E não é como se eu nunca tivesse tido a oportunidade de viajar. Até meus dezesseis anos pude conhecer quinze dos vinte e seis estados brasileiros. Mas nada se comparava a São Paulo, nenhum dos estilos de vida que eu conhecia se comparava com ser paulistano, seja lá o que fosse que isso queria dizer, afinal eu sou descendente de paranaenses paupérrimos que começaram a vida do zero nas periferias da zona sul durante os anos sessenta e lá morei toda a minha vida. Para os outros paulistanos que moram mais ao centro, eu, morador do Capão Redondo, era apenas "mais um da sul". Ainda assim quando me reunia com meus outros primos, também todos descendentes de paranaenses, eu dizia coisas como "São Paulo é a locomotiva do Brasil!". Hoje, após diversos fatos descobertos por mim sobre como a cidade de São Paulo veio a ser o que é hoje, fica difícil ter orgulho mesmo de ter nascido na cidade onde já não se garoa tanto.



Alguma coisa acontece no meu coração. Que só quando cruza a Lamartine e a Avenida São João. É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi...

Antes de ouvir falar de Catalão, meu conhecimento de Goiás não ia além do fato de que é um estado da região Centro-Oeste cuja capital é Goiânia. Mudar para Catalão significava o fim da minha vida como eu a havia conhecido até então: dali pra frente seria pior, muito pior. Logo após chegar na cidade eu ouvi o ditado local: "Quem toma a água de Catalão, nunca mais vai embora". Procurei então, discretamente, durante o resto da viagem tomar apenas água engarrafada e cuja origem fosse uma fonte bem longe.
Meu primeiro ano não foi fácil. Não fazia amizades, não gostava do colégio onde estudava, vivia depressivo e meu único objetivo na vida era voltar para São Paulo, ou, como eu nada delicadamente dizia, "voltar para a civilização". Meus pais também não tiveram facilidade para se adaptar a nova realidade: reclamavam da qualidade da prestação de serviços na cidade, do atendimento nas lojas, da dificuldade de encontrar determinados produtos nas prateleiras dos supermercados e sempre faziam coro comigo para reclamar da pizza catalana (assunto de inestimável apreço para a maioria dos paulistanos de qualquer classe social e que pretendo discutir uma outra hora).
No próximo mês (dezembro de 2013) completam-se 7 anos (entre diversas idas e vindas de São Paulo) que moro em Catalão. E preciso admitir: hoje me encontro léguas a frente da inicial arrogância paulistana com que me revestia para interpretar Catalão (ou deveria dizer léguas abaixo?). É com certa vergonha que me recordo das coisas que dizia sobre esta cidade, apesar de que hoje me considero redimido em certa medida. Há dois anos, após diversas falhas tentativas de me mudar permanentemente de volta para São Paulo, resolvi que não me restava alternativa a não ser dar a Catalão uma chance. Ingressei pelo vestibular na Universidade Federal de Goiás para cursar Ciências Sociais, me tornei membro da Orquestra de Catalão como pianista e violinista, fiz alguns dos melhores amigos que alguém pode se ter nessa vida e conheci o amor da minha vida. Tudo que bastou foi descer do frágil pedestal do ego paulistano etnocêntrico.
Continuo gostando de visitar São Paulo, e ainda acho fascinante o ritmo alucinado da cidade que não dorme. A efervescente atividade cultural me atrai e mais recentemente fiquei feliz ao ver milhares de paulistanos irem às ruas junto com os demais brasileiros manifestando contra tudo que vemos de errado neste país. Mas como sentir orgulho dos genocídios causados pela polícia militar? Da infra estrutura do transporte público que não chega nem perto de atender a demanda? Da qualidade do ensino nas escolas públicas? Do completo abandono de algumas áreas carentes da cidade onde falta tudo (água potável, esgoto, escola, hospital, moradia digna)? Da exploração de estrangeiros (especialmente os bolivianos) nas confecções de grifes de roupas?
Hoje, trabalhando em um hotel de Catalão, ainda me deparo com alguns paulistanos que procuram depreciar, por meio brincadeiras de mal gosto, o modo de vida catalano. Não consigo evitar um pequeno riso e fico apenas pensando comigo mesmo: tomara que um dia ele tenha a mesma oportunidade que eu e se mude para uma "pacata" cidade do interior. Claro que para ele isso significaria uma tragédia, assim como foi para mim se mudar para Catalão, mas talvez ao longo do tempo ele venha se dar conta de que essa experiência possivelmente foi a melhor coisa que já lhe aconteceu.
Não sei mais se ainda posso referir a mim mesmo como paulistano ou se já posso me considerar catalano, meu sotaque não é daqui nem de lá, sofro com o calor daqui mas também com o frio de lá. Mas na verdade nada disso tem mais importância. Sou grato apenas pela oportunidade de ter ampliado meus horizontes e contemplado um estilo de vida completamente diferente.